Guitarra? "Só sei que nada sei!"
Luthier

Guitarra? "Só sei que nada sei!"


Paulo May

Essa guitarra NÃO soou legal:



 Essa guitarra soou PERFEITA!:


          "Só sei que nada sei" é uma expressão atribuída ao filósofo grego Sócrates e me veio à mente há dois dias, depois de mexer numa telecaster.
Toco guitarra há quase 36 anos e há pelo menos 6 venho estudando e tentando entender seus fundamentos físicos: estrutura, timbre, funcionalidade, etc... Seis anos... é um curso de medicina :) Já era pra eu ter dominado quase todas as nuances técnicas que determinam o timbre de um instrumento... Imagino que o Oscar já tenha passado pela mesma pane mental que sofri nessa terça-feira - se não passou, vai passar com certeza :) (Ele tá viajando e ainda não conversamos sobre isso).

Então, esse post vai servir para eu contar essa história e já avisar a todos que, pelo menos da minha parte, doravante não haverá conselho, dica ou orientação definitiva sobre guitarras. Não me perguntem sobre qual coisa combina com tal coisa, porque "só sei que nada sei" :). Se alguém perguntar, eu vou responder com esse link! KKK

Lembram-se do post dessa Telecaster de freijó? (CLIQUE) . 



O post é sobre a relicagem dela, mas no final comentei sobre a sonoridade, aquém do que eu esperava... Pois bem, há tempos venho pensando (atenção: pensando apenas. Não há nada à venda :) )em colocar à venda pelo menos dez ou quinze guitarras (tenho 40, eu acho) porque não há mais espaço aqui em casa. Boa parte delas é fruto das minhas experimentações e só tenho guitarra que eu gosto, por uma ou outra razão. Quando a guitarra fica ruim mesmo, é desmontada (por isso tenho também inúmeros corpos e braços por aqui).

A Telecaster de freijó foi uma das selecionadas para ir embora. Adorei o relic e sempre quis ter uma tele branca assim, mas cismei que o corpo de freijó não tinha o equilíbrio de frequências ideal e tratei de prepará-la para a venda...
Pensei: "É uma madeira que só vai soar bem com saturação, então vou deixá-la com timbre e tocabilidade modernos e manter o visual vintage". Coloquei um braço de maple/rosewood com raio de 14 polegadas, fino/sem muita massa, 22 trastes, cujo headstock foi modificado para telecaster. Frequência de ressonância: D# (teoricamente, deveria soar mais grave). O do post anterior, de maple da Mighty Mite tem FR em F# (portanto deveria ser mais agudo). Retirei a ponte Gotoh de latão (a minha preferida) e coloquei uma genérica ferrosa (zinco) totalmente vintage, com 3 saddles (que eu detesto). Tinha um captador clássico Rosar aqui, mas já que a guitarra seria "roqueira", coloquei um Rosar Dual Blade Twin Vintage T (toquei 10 anos com um Seymour Hot Rail e criei alergia a dual blades).
Então agora essa tele havia ficado com pelo menos quatro características que eu pessoalmente não gosto: corpo de freijó, raio de 14, ponte de 3 saddles e captador dual blade. Veja:


Assim que acabei a montagem, fui testá-la  - e só pra ver se tava tudo ok, pois tinha certeza que o som seria do tipo que eu não gosto, que não conseguiria afinar legal as oitavas por causa da ponte de 3 saddles, etc. etc. Foi nesse momento, que liguei a guitarra (tarde da noite - utilizo uma simulação do Fender Pro Jr e outra de Marshall/Slash do Amplitube como protocolo inicial de avaliação de timbre), que me transformei de "expert" em palhaço! :)
O timbre do captador da ponte veio lindo já no primeiro bordão... Toquei uns 30 segundos de queixo caído, passei para o do braço e ele estava soando pelo menos 50% melhor do que na configuração anterior. Mais estalo e dinâmica. A combinação dos dois, lindo timbre também... Putz!

Despluguei do computador e fui obrigado a ligar o amp (real) Mesa Boogie 5:25 pra confirmar... Arrisquei ser execrado pelos meus vizinhos, mas ela passou pelo teste novamente, inclusive no modo "classe A", que é crítico para as guitarras. 
Uma palavra define o que senti: "Vida". Mesmo com o dual blade, mesmo com a ponte de 3 saddles ferrosa, mesmo com o corpo de freijó, a guitarra tava soando viva, com um nível de resposta dinâmica, definição e timbre que só ouvi nas melhores guitarras.
E o mais ridículo veio em seguida: Consegui uma afinação de oitavas "digna" e plenamente funcional com 3 saddles, coisa que nunca havia obtido antes, nem com carrinhos compensados. 

Alguém lá de cima quis me punir pela arrogância e presunção e veio com 3 chicotes de uma só vez! :)

Claro que o single de alnico (Vintage Hot T) tem o ataque mais bonito e orgânico que dual blade (Twin Vintage T), mas descobri sutilezas nesse dual blade que achava impossíveis de existir. Ele tem identidade própria, porém mantém-se um servo fiel da Telecaster: o timbre clássico é respeitado, com um ataque mais rápido e presente e o bônus do silêncio noiseless... Satura maravilhosamente (é na saturação que ele realmente é magnífico), mantendo uma surpreendente definição das notas. 
Novamente me curvo à genialidade do Sérgio Rosar. E olha que esse captador já estava aqui em casa há mais de um ano. Quando me entregou o Twin Vintage, ele disse: "Sei que tu não gostas dos dual blades, mas se tiveres um tempinho, teste esse..." Putz!
Captador Sérgio Rosar Twin Vintage


         O que provocou tamanha mudança (pra melhor) do timbre? Braço? Ponte? Captador? A minha cabeça tá dando voltas e não encontra uma resposta definitiva e protocolar. Esse braço não deveria soar tão aberto, o dual blade deveria soar mais duro e desajeitado, principalmente pela ponte ferrosa e seria impossível afinar as oitavas com essa ponte. O braço é um fator muito importante pois houve uma melhora clara no timbre e resposta do captador do braço. Mas esse mesmo braço não soou bem numa tele de mogno, anteriormente.

Quem leu o outro post pode perceber que eu até intui nessa direção (mudança do braço, ponte ferrosa), mas não nessa proporção. Vários experts já mencionaram que nunca dá pra ter certeza absoluta da sonoridade final de uma guitarra, porém eu experimentei na prática uma improbabilidade completa, segundo meus critérios. 
Agora, diante dos fatos incontestáveis aos ouvidos e com meus critérios mais desvalorizados do que as ações do Eike Batista, só me resta mesmo parafrasear Sócrates...Com a diferença que Sócrates realmente sabia muito! :)

Eu tenho uma listinha de rascunhos de "próximos posts" - olhem só o título de dois deles:
"Minha Vida No Cárcere: 10 anos com Dual Blades" e "Quer sofrer? Ponte de Telecaster com 3 Saddles"
KKK! Quem diria...

Assim que tiver um tempo, gravo alguma coisa com ela pra postar aqui. Provavelmente vai estar num futuro grande post sobre timbre de Telecaster. 

Por enquanto, só sei que nada sei - ninguém me pergunte mais nada... O Jr. (Oscar) vai ter que se virar sozinho aqui! :)

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Comentários Pós-Post:

O Jr. me enviou um e-mail e suas considerações são perfeitas - resumem o que de fato deve ter acontecido:

"O que eu acho que pode ter melhorado:
1 - A ressonância do braço e do corpo "Casaram" perfeitamente e a guitarra acordou.
2 - A ponte vintage e os saddles de aço acentuaram o ataque e melhoraram a dinâmica
3 - O Twin Vintage é um cap muito legal!! :-) Com ponte ferrosa ele tem ATÉ um pouco de Twang!

1 - Sim, o braço e o corpo casaram perfeitamente. Mesmo com menos massa no braço, dá pra sentir o corpo de freijó vibrando, e bastante. Isso não ocorria com o braço de maple.
2 - Com certeza, e aqueles médios graves chatos e embolados sumiram.
3 - Isso que é o mais incrível: mesmo com duas bobinas, duas lâminas e uma barra cerâmica, o Twin tem Twang! :)

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Vídeo 31/12/13:






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