Luthier
Guia para Tunar Guitarras Baratas
(obs: antes de fazer perguntas e ou postar comentários, leia aqui: CLIQUE)
(Atenção - Adendo 30/09/13: temos um novo post sobre tunagem (clique aqui) - um guia definitivo para as guitarras SX. Até acho que o novo post deveria ser lido ANTES desse aqui...)__________________________________________
Ao longo de vários anos, aprendi muito sobre guitarras na medida que comprava modelos mais baratos, com madeiras razoáveis a boas e tentava melhorá-las. Cheguei à conclusão de que "guitarra barata é guitarra barata" e dificilmente conseguimos transformar uma delas em "top de linha", mesmo tunando ao extremo. Geralmente porque a essência de qualquer guitarra é a madeira. E madeira boa é, via de regra, cara.
Prometi que não ia mais fazer isso, mas achei que essa era uma oportunidade de acompanhar tudo em "real time" aqui no blog.
Hoje comprei uma nova SX (já tunei duas anteriormente). Essa tem um selo escrito: "American Swamp Ash". Será? :)
Analisei-a por quase meia hora na loja e decidi comprá-la (600 reais). O corpo realmente parece Swamp Ash, é leve e composto de apenas duas peças (pelo que percebi até agora :) ), porém 5mm mais fino que uma Strato padrão (40mm x 45mm).
Guitarra Strato SX de Swamp Ash
Ponte ruim, sem massa, captadores cerâmicos, tarraxas "a esclarecer", mas não devem ser além do "razoável", escudo com figuração tortoise impressa, enfim, vai mais uma boa grana pra tuná-la devidamente.
Mas valerá a pena? Minha experiência é de que as chances para "Sim" não passam de 30%.
Antes de comprar, levantei o escudo e vi que a cavidade dos caps não é universal/piscinão. Um ponto positivo, pra começar.
Mãos à obra - vou postando aqui o dia-a-dia da tunagem.
DIA 1
Antes, é bom lembrar que o ideal seria num primeiro momento, apenas colocar bons captadores e checar o timbre da guitarra. Se não ficar legal, pare a tunagem aí mesmo... :). Mas, pelo timbre dos captadores cerâmicos, dá pra projetar com relativa certeza que ela tem boa sonoridade. Por isso, vou iniciar pela parte estética/estrutural.
1 - Retirei o escudo. Cavidades clássicas da Fender. Ainda bem que os caras nem tentaram colocar espaço para um humbucker na ponte. Nenhuma falha até agora.
2 - Captadores cerâmicos (já dava pra imaginar) de 5,3k para a ponte e 4,9k os demais. O da ponte tem espaçamento maior, como é o padrão Fender moderno. Pots de tonalidade A250k (logarítmico) e de volume B250k (linear). Capacitor de polipropileno, .047uf:
3 - Já comecei a adaptar os pots para deixar apenas um de tonalidade e desviar o de volume para o ponto do segundo pote de tonalidade (esse sai)
4 - O Escudo. Horrível, nitidamente dá pra notar que a imitação de Shell/Tortoise é pintada.:
Fui dar uma pequena lixada para diminuir a intensidade dos efeitos "super laranja" e a tinta desandou a sair e borrar tudo. Nunca vi disso. Resultado: tive que lixar tudo e deixá-lo com o top branco:
O problema aí é que eu não gosto de escudos de strato TOTALMENTE brancos. Em 1 hora, ele foi envelhecido (clique aqui para o post sobre "envelhecimento" de plásticos) e ficou com tons mais equilibrados com a madeira (deixei um full white do lado para comparar:
Não que eu não goste do escudo "tartaruga", mas não é o meu preferido nessas guitarras com acabamentos naturais. De qualquer forma, vou comprar um escudo "Shell/Tortoise" só para ter essa opção estética.
Se eu mantiver o escudo "envelhecido", toda a guitarra será manipulada para o aspecto vintage. A começar pela retirada do excesso de brilho do corpo.
Amanhã tem mais...
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DIA 2
Decidi que além de fazer o upgrade, vou também deixá-la com aspecto mais vintage. Pra isso, é importante retirar o excesso de brilho do verniz e das ferragens cromadas. Em ambos os casos, o processo é feito com lixa d'água, grão 600 pra cima. O corpo fiz com lixa 600 e ficou divino sem o brilho. A textura está perfeita.
Desmontei-a totalmente e nessa foto, o que de fato é importante: madeiras. Observem no detalhe que já fiz uma marca naquele bico de papagaio do headstock. Como fiz com todas as SX, vou aproximá-lo de um headstock Fender:
OBS: Para saber mais sobre a modificação do headstock, clique aqui.
Agora, com o corpo lixado e o headstock modificado (fiz com grosa e lixas):
Como sempre, deixar com aspecto de Fender e não colocar o logo é igual a garrafa de Coca Cola sem o logotipo: não faz sentido! :)
Ainda não consegui comprar a ponte Wilkinson mas eu tinha um bloco de aço pesado que comprei na Guitar Fetish e troquei aquele ridículo bloco chinês por esse (obs: o braço do tremolo original não cabe nesse bloco - compre um braço "USA sized" junto - custa apenas 4 dólares). O bloco pesado é muito importante para o timbre de uma strato, pois nela ele funciona como "bloco de inércia", garantindo boa e estável vibração das cordas. Aqui, uma foto comparando o bloco GFS de aço com outros chineses. Os "genéricos" são feitos de uma liga de metal que se martelar, esfarela, de tão vagabunda. O da Condor GX40 é pequeno, mas o metal é, aparentemente, de maior qualidade.
Caso alguém queira comprar um bloco desses para colocar numa ponte chinesa, escolha o modelo "Import", que é na medida de 90% das pontes genéricas.
A ponte ficou assim:
Os cromados foram lixados (grão 500 pra cima - às vezes só umas esfregadas de lixa 1200 já dá o efeito desejado) para ficarem foscos. Não pode lixar muito porque a camada cromada é bem fina... Aqui, antes de lixar.
Coloquei na foto uma outra canoa e um stoptail cromados para acentuar a diferença:
Observem que o chapa de tróculo é estilo Fender anos 70, com apenas 3 pontos de fixação. Não foi uma boa idéia do Leo Fender, tanto que não é mais usada. Alguém da SX marcou bobeira... Vou deixar assim por enquanto...
Poderia tê-la montado hoje, mas tive que envernizar (com spray) o headstock para proteger os logos. Terei que esperar pelo menos 36 horas antes de recolocar as tarraxas.
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DIA 3/4
Quando estamos lidando com instrumentos musicais, existe uma regra primordial: "Siga o padrão técnico". Se não a obedecemos, as leis de Murphy começam a pipocar aqui e ali e o projeto vira lixo.
Quando medi a espessura da guitarra e deu 40mm (o padrão é quase 45mm), achei (nunca "ache" nada) que isso não acarretaria nenhum problema na tunagem.
Pois bem, adivinhem qual é o comprimento do bloco de tremolo GFS? Perto do padrão: 41,5mm!
PUTZ! O corpo acaba e sobra uma ponta do bloco pra fora... :(
Um simples detalhe de 1,5 milímetros tecnicamente pode comprometer a sonoridade final da guitarra. Se eu não colocar esse bloco, ela não terá o timbre que eu quero, mas se deixar assim, toda vez que deitar a guitarra em alguma superfície, vai forçar o bloco e sua fixação.
... Continuando (e já li a dica do Pedro e do Lucas), quando coloquei as molas, subiu ainda mais... Terrível. Se não estivesse postando no blog, já teria parado por aí.
Tenho 3 opções: 1) Voltar para o bloco original (nem pensar); 2) Cortar uns 3-4mm desse bloco (aço... Nem imagino onde fazer isso) 3) Levantar a placa traseira. Uma 4ª opção seria deixá-la sem placa, mas daí tem que sempre lembrar de nunca colocá-la deitada na horizontal.... Alguém tem mais alguma ideia?
Decidi pela 3ª opção e usei uma segunda placa (partes dela) para levantar:
De cima, parece ok:
Mas de lado, a gambiarra aparece em toda a sua glória... :).
E as molas ainda estão praticamente coladas na placa. O espaço ali é menor do que 0,5mm. Provavelmente terei que ampliar ainda mais a abertura.
É realmente uma pena. Ela tava ficando muito legal:
Se o som dessa guitarra for excepcional (isso nunca aconteceu com uma chinesa antes), daí talvez tente fazer uma base de acrílico.
Só falta colocar o braço, cordas, regular a tocabilidade e finalmente ouvir o som dela :)
Outro detalhe importante pra quem ainda pretende comprá-la e tuná-la: os 3 captadores têm distâncias dos pinos distintas. É muito legal porque o espaço entre as cordas vai diminuindo à medida que afasta-se da ponte. Mas isso quer dizer também que podemos esquecer a reutilização das capinhas. Geralmente no mercado encontramos singles com dois espaçamentos: para ponte e meio/braço. Por sorte, tinha um captador antigo aqui que coube na capinha do braço, a mais estreita.
Adendo 14/05/2012: O Daniel resolveu esse problema da seguinte forma: "
Peguei uma ponte Fender, bloco padrão e corpo 40 mmms... peguei o bloco, levei a um torneiro mecânico e ele cortou na parte superior (parafusada a ponte), foi feito com precisão, tirei 5 mms e ficou bem legal, me cobrou pouco pelo trampo, que tbm não é demorado. Se não fez, em torno de 20,00, faça, a minha ficou perfeita."
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DIA 4/5
Aqui a SX montada. Detalhe técnico: precisei colocar um calço no tróculo para leve angulação - coisa comum nas Fender (clique aqui para o post sobre angulação do braço). Agora a ação está perfeita em toda a escala. Tarraxas Grover Mini Rotomatics
Novamente, a foto não faz jus à beleza dela... :)
Observem na foto abaixo como os pólos dos captadores estão perfeitamente alinhados às cordas: nas Strato, o ideal é esse tipo de configuração, mas atualmente o pessoal tem usado apenas dois espaçamentos e o captador da ponte fica ligeiramente desalinhado.
Ontem à noite coloquei as cordas e pude ouvir sua sonoridade. Embora conheça muito bem Teles de ash e Stratos de alder, tenho pouquíssima experiência com stratos de ash, principalmente swamp ash.
O que eu percebi foi uma ressonância muito boa, agudos e médios bem equilibrados, semelhantes ao alder, porém com graves mais fortes e projetados - e isso eu não esperava. Tinha a impressão oposta, que ela soaria mais magra e com médios mais fortes.
Como isso foi observado principalmente no captador do braço e acabei usando um muito antigo de apenas 4,9k porque queria manter as capinhas (a cor creme delas é perfeita), vou colocar um captador que conheço bem - o Fender CS54 ou o Rosar Fullerton hoje e testá-la novamente.
Mas num primeiro momento, gostei muito do som. Melhor do que eu esperava.
Se continuar assim, vai valer a pena o trabalho e vou atrás de alguém pra cortar o bloco do tremolo. :)
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DIA 5/6
Excelente a idéia do pessoal de cortar o bloco. Por enquanto, ela fica assim. Tá muito legal.
Tive que trocar os caps (54 no braço, Fender 97 no meio e Rosar Rock/Blues na ponte), então as capinhas e os botões obviamente foram trocados - o visual ficou mais "branco"... :)
Gravei um solo (o mesmo feito com a Strato Candy Red no post anterior - podem comparar os timbres) com o Fender CS 54 no braço. Muito, muito bom! Timbrão.
Interessante é que ela é um pouco mais grave que a de alder. Mas a essência do timbre strato é essa mesma.
Ouça:
E aqui, só as duas guitarras. A strato Fender de Alder tá na direita, fazendo a base:
É isso aí. Ainda pretendo comparar o timbre só trocando novamente o bloco e gravando o mesmo solo...
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Concluindo, o som dessa SX de Swamp Ash é muito bom! Ainda prefiro o timbre da minha Fender de alder, mas gostei bastante do ataque e peso dela, mesmo com um corpo mais fino.
O único problema sério foi a falta de espaço para o bloco, mas aparentemente é fácil cortar um pedaço e a guitarra ficará bem equilibrada visualmente.
Abraço!
P.S.1: o Sávio perguntou quanto custou a tunagem e a questão do custo deveria ser mencionada também ao longo do post. Ao tunar uma guitarra, vamos gastar geralmente bem mais do que o preço inicial dela e, é importante ressaltar, o valor de revenda não aumenta tanto, porque as pessoas vão continuar vendo uma "guitarra chinesa barata".
Então, tunar pra vender não é negócio, é prejuízo... :)
Eu considero que paguei 630 reais não por uma SX, mas por um corpo de Swamp Ash e um braço razoável de maple/rosewood. 3 singles bons estão entre 330 e 600 reais, uma ponte Wilkinson "Selo Ouro LPG" :), 180-220 reais, tarraxas Grover Mini Rotomatics, 95-130 reais... O prazer de tunar sua própria guitarra... Não tem preço!! Hahahá.
P.S.2: Update 12/2011: Comprei um tremolo GFS de aço (42 dólares + uns 25 shipping + cerca de 45 de impostos - total de 200 e poucos reais) que coube no limite exato nessa guitarra. Melhor assim. Não precisei cortar nada, mas foi um saco tapar os furos dos parafusos e fazer dois novos para os pivôs desse tremolo. Recomendo um luthier para quem nunca fez isso.
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