Telecaster Butterscotch "Relic" de Marupá
Luthier

Telecaster Butterscotch "Relic" de Marupá


Paulo May

(obs: antes de fazer perguntas e ou postar comentários, leia aqui: CLIQUE)


         Assim como ocorreu com a strato Wally (clique pra o link), a ideia de fazer uma guitarra com corpo de madeira brasileira ainda continua. Fiquei impressionado com a sonoridade da Wally e o Marupá, até então uma madeira que pra mim soava triste e travada como o Basswood, revelou-se uma grata surpresa.
A Wally tem ponte "hardtail" (fixa) e uma sonoridade bem peculiar - é mais forte que uma strato de ponte flutuante mas não dá pra dizer que seja um híbrido de strato/tele. 
Na minha opinião, as stratos com ponte fixa deveriam ser consideradas uma "espécie" própria.

Pois bem, depois que descobri o luthier Adriano Ramos em BH/MG, que faz corpos de Marupá (e outras madeiras nacionais) bons e baratos, encomendei logo de cara dois corpos de telecaster com ele: um clássico, que resultou nessa tele e outro no formato "La Cabronita", pois pretendo comparar o Marupá com o Sugar Pine/Pinho americano da minha primeira "Cabronita", a Custom Golden Leaf.

         Um lembrete importante pra quem já tá pensando em comprar um corpo de Marupá: Ambos os corpos que comprei são de peças inteiras de Marupá. Isso parece legal (e é), mas historicamente é recomendado que madeiras menos densas e mais flexíveis sejam usadas sempre em duas partes coladas. Mesmo com a peça inteira disponível, devemos cortar e colar no centro. Essa manobra diminui consideravelmente a possibilidade de empenamentos (e isso ocorre, eventualmente) no corpo. A perda de ressonância é ínfima, pois são duas partes "irmãs" - mesmas características.
Praticamente a mesma ressonância com o dobro de estabilidade.


O Marupá é uma madeira abundante no Brasil, de densidade baixa à média, relativamente porosa, cor esbranquiçada e quase sem veios/lisa. Não tem resistência e dureza para ser utilizada em braços, apenas em corpos. 

A primeira característica que olhamos numa madeira é sua densidade (em g/cm³, que está diretamente relacionada ao peso) e o Marupá tem densidade próxima do Basswood (0,3-0,6 g/cm³)  e algo maior que o Poplar. Está um pouco abaixo do Alder (0,4-0,7 g/cm³) e Ash (o Swamp Ash pode ter densidade similar, entretanto). O Marupá é uma madeira geralmente utilizada no Brasil para palitos de picolé e fósforo, cabos de vassoura, brinquedos e caixas de frutas. Todo mundo conhece o Marupá :). "Caxeta" ou "Caixeta" é um nome genérico dado a várias espécies similares, entre elas o Marupá.

Madeiras muito ou pouco densas são geralmente ruins. As mais musicais estão entre 0,3 e 0,7 g/cm³. Claro que outras características também determinam a condução e ressonância sonora, mas a densidade é o ponto de partida. Na foto abaixo, os dois corpos de Marupá feitos pelo Adriano:


É bom lembrar, que, para manter o preço baixo, o Adriano não faz o lixamento/nivelação final, que é necessária antes da pintura. Em alguns pontos usei lixa 120/150, mas finalizei com 220 e 400. Para que a pintura não fique com irregularidades, a superfície tem que estar bem plana e lisa. Ao lixar, é legal de vez em quando umedecer com um pouco de álcool, que melhora a visualização das irregularidades e arranhões.

Após lixar, pintei com tinta (esmalte à base de água) à água, um pouco que restou da pintura da casa de praia da minha família (não lembro a marca, mas a cor era "Marrocos"). Achei a cor muito similar ao "Butterscotch" (doce de caramelo) americano, que a Fender utiliza desde a década de 50.

Repeti o mesmo processo de relicagem que fiz na Wally... Novamente, não documentei porque o processo é muito instintivo. Basicamente, pintar, sujar, lixar, pintar novamente, mudando um pouco a cor e diluição, sujar, envernizar, riscar/furar/arranhar, sujar, envernizar mais um pouco, lixa leve, polir levemente.
Pra sujar, nada melhor do que pó de grafite, cinza de cigarro, tinta à óleo (dessas para pintura em tela, que vêm em tubinhos) marrom, cinza e numa cor próxima à da pintura. Devemos "sujar" em tempos diferentes, principalmente no verniz, pra não ficar uniforme demais.
Esse padrão de relicagem que eu fiz é considerado "pesado"/heavy relic, pois além do aspecto antigo, ela também parece bastante surrada :). Ainda falta envelhecer um pouco o headstock. Não fiz porque fiquei na dúvida se colocava esse braço ou outro de maple/maple com tensor de acesso traseiro. Seria mais fidedigno (exceto pela ponte) do período (anos 50) mas eu não gosto muito de braços de maple/maple, infelizmente.

O braço é o dessa guitarra (clique e veja o dia 2). SX, mudei o headstock para strato e agora resolvi mudar para Tele... :). Raio de 14 polegadas (clique para saber o que é raio da escala), como 95% dos braços chineses. Êta! Sua "Frequência de Ressonância" /tom é perto de F3 (oitava casa, quinta corda), portanto tende para o agudo.
Ponte Condor/Chinesa ferrosa (liga de zinco - sofre ação magnética), carrinhos de aço da GFS, escudo chinês pintado de preto.



Liguei para o meu luthier, o Inaldo, para combinarmos de fazer a furação da ponte com a furadeira de bancada dele, mas na pressa de acabar (como sempre), novamente fiz à mão, ou seja, mesmo com muito cuidado, é quase certo que eles ficam um pouco desalinhados na parte de trás (se serve de consolo ou não, várias teles Fender da década de 50 tinham furos desalinhados...).
Tarraxas Wilkinson (muito boas e baratas). As peças de tele e strato, em geral, compro direto da china no e-bay (tudo muito barato) ou no ML.

O timbre? Muito bom! Mesma personalidade da Wally: o Marupá tem graves sim (li várias vezes que tem mais médios - não é verdade), médios centrais mais contundentes porém menos complexos que o alder e o ash pesado. Agudos  equilibrados e obedientes, mas talvez soem melhor com pots de 250k (quase sempre uso de 500k nas teles). Não tem o buraco de médio-agudos (centro em 1,8 kHz) do Cedro, portanto, na minha opinião até o momento, é a melhor madeira nacional para teles e stratos.

Aqui, uma pausa para lembrar que a maior parte do som da guitarra está na região dos médios (300 a 2.400 Hertz). Não dá pra simplesmente falar "médios bonitos" sem especificar uma sub-faixa, principalmente quando falamos de Telecaster, a rainha dos médios. Então temos que considerar:
MÉDIO-GRAVES:  300 - 600 Hz
MÉDIOS:                 600 - 1.200 Hz
MÉDIO-AGUDOS:  1.200 - 2.400 Hz
O médio do Marupá é dominante no centro: 600 - 1.200 Hz, por isso a sensação de maior projeção sonora. O Alder geralmente tem mais médio-graves, mas não costuma acentuar nem bloquear muita coisa. O Ash varia bastante, mas a marca registrada da minha Tele 68 de Hard Ash é de uma curva maior, porém suave, nos médio-agudos, com uma também suave concavidade nos médio-médios. Obviamente ela soa mais complexa e sutil que a Tele de Marupá... As outras duas Teles de Hard Ash que tenho são muito semelhantes, mas falta-lhes a concavidade dos médios-médios, por isso soam algo mais pobres e lineares nessa região.
E nem vou mencionar o que rola depois dos médios, pois agudo é tão complicado quanto.

Só gravando e ouvindo as diversas Telecaster podemos perceber esses detalhes essenciais. É assim que aprendemos a timbrar guitarra. Por exemplo, posso trocar esse captador Sérgio Rosar Vintage Hot (7,2k) por um True Vintage (6,47k). Quanto menor a saída/força, menos médios. Nesse caso, provavelmente vai sobrar um pouco mais de agudos e por isso terei que diminuir o valor do potenciômetro para 250k  para filtrá-los. Se vai funcionar? Não sei, mas essa é a lógica que devemos seguir. Se der certo, terei uma referência de ouro para Teles de Marupá: pots de 250k e captadores de baixo ganho na ponte :)

Sei que tô parecendo meio prolixo e detalhista, mas médio é FODA! Nas guitarras consigo diferenciar (na verdade, aprendi a ouvir) tudo quanto é tipo de médio. Tem o médio "chute no saco", o médio "feijão com arroz", o "médio irritante"... Mas eu tô sempre atrás é daquele médio que só a Telecaster (algumas delas) pode dar: "crocante e delicioso"! E vem com molho de twang e estalos! KKK!

Ainda vou tocar um pouco mais ambas as guitarras de Marupá e depois volto aqui pra complementar minha opinião sobre essa madeira. Mas com certeza é melhor que o Cedro e o Basswood para guitarras tipo Fender.

O captador da ponte é um magnífico Rosar Vintage Hot T (7,2k), mas customizado pra mim, com escalonamento dos pinos de alnico (é o mesmo captador da Tele 68 e de várias outras aqui):

Toco Telecaster há mais de 25 anos. Pra mim, essa é a configuração ideal dos pinos. Dessa forma, não precisamos inclinar tanto o captador e tudo fica mais equilibrado. Funciona muito bem para braços com raio de até 12", mas o ideal é raio de 9 ou 10 polegadas. 14" dá apertado. Não entendo como as pessoas não percebem a falta de força da 4ª corda/Ré nos captadores com pinos "flat", equidistantes... Bem, nas Telecasters eu só uso cordas de calibre 0.09 (maximum twang, hehehe). Nas demais, 0.10. Cada um com a sua mania :)
A ponte ferrosa interfere no campo magnético, ao contrário das pontes de latão/brass (Gotoh, por exemplo) e de certa forma aumenta o ataque e força do captador, podendo acentuar um pouco a ponta dos médio-agudos e agudos. Como o ataque de médios pode soar irritante, principalmente em se tratando de Telecaster, a combinação madeiras/captador/ponte tem que ser precisa.
É muito difícil saber qual a ponte ideal para determinada telecaster/captador. Se desejarmos um som mais estalado e comprimido, com um pouco menos de graves, a ponte de latão é ideal. Mas se a tele está soando meio anêmica, uma ponte ferrosa pode resolver.

Observações/FAQ:
1 - Pintei com rolinho... Guitarra se pinta com compressor/pulverizador profissional e o acabamento/polimento é feito com politriz. É a única maneira possível para deixá-la com aspecto brilhante e reflexivo. Mas se a ideia é fazer um relic/envelhecimento artificial, podemos pintar à mão ou com spray em lata. Nunca dá certo na primeira vez. E talvez na segunda... :)

2 - Vários problemas e intercorrências surgem no processo de montagem e acabamento e boa parte delas só um luthier resolve. À medida que vamos ganhando experiência, podemos nos arriscar, mas sempre há o risco de fazermos cagadas :). Posicionamento e furação da ponte, por exemplo, só consegui fazer sem me desesperar depois de dois anos mexendo e mesmo assim ainda não gosto. Sempre fico estressado com isso.

3 - O braço,  na região de encaixe no corpo (tróculo) era 1,5 mm mais largo que o padrão Fender. O Adriano deixa, por segurança, o tróculo um pentelho mais fechado para o braço encaixar na pressão (ideal). Assim, fiquei com um belo problema nas mãos - que eu detesto tanto quanto posicionar e furar pontes. Mas aprendi errando que não devemos mexer no tróculo do corpo, exceto quando muito fora do padrão. Lixei o braço até entrar... :)

4- Nunca faça furos que atravessam o corpo usando furadeira de mão. NUNCA. A madeira desvia a broca e raramente o furo sai reto do outro lado. Eu faço uma pequena furação guia com a Dremmel + suporte/guia e mesmo assim fica meio torto. Sempre utilize furadeira de bancada/fixa.

5 - Existem dois padrões de ponte e furos para Telecaster: Vintage, para pontes de 3 saddles e/ou modernas  adaptadas de 6 saddles/carrinhos para essas medidas (Gotoh, por exemplo) e Moderna com 6 saddles. Os furos da vintage não batem com os da moderna, pois são localizados mais atrás no corpo. Desconheço pontes modernas de latão. A única que reúne esses requisitos é a Gotoh, pois tem 6 saddles e obedece a furação antiga (os saddles são mais longos para compensar).

6 - Lixas (de todos os grãos) são nossas melhores amigas... Aprenda a usá-las e elas nunca te deixarão. :)


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O próximo post, do meu amigo e colaborador/co-autor desse blog, Oscar Isaka Jr., vai abordar os detalhes  das pontes de Telecaster. Post essencial.

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Adendo 4/7/13: Fiz um áudio com ela pra comparar com uma Fender Custom Shop, por causa de uma discussão no fórum da GP.


Aqui o vídeo da Fender CS:






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