Telecastermania - parte 3: Making Of
Luthier

Telecastermania - parte 3: Making Of


       Então vamos à sequência de passos:

1) Madeiras: para Telecaster, só existem 3 madeiras (minha opinião): Ash leve (swamp), Ash pesado (northern) e Alder. Pinus (americano), Marupá, Cedro, todas podem funcionar, mas não ficam iguais às clássicas. Resolvi fazer uma de ash e outra de alder, além de um braço de maple com escala de maple.

Comprei os blocos (blanks) no Brasil, na MusicTools do Miguel Cardone. Já havia comprado antes alguns equipamentos de luthieria e um lindo blank de flamed maple AAAA para o top da minha - ainda distante - Les Paul 59. Acesse o site: www.luthierexpress.com e faça o download do catálogo de madeiras (e do de ferramentas, caso seja metido como eu :) ). O Miguel é gente finíssima -  o telefone para contato direto é (11) 9193-8797.
Preços: blank de Ash (pesado/northern): 200,00. Alder: 270,00 Maple: braço: 80, escala: 45 reais.


Posicionei os blocos e escolhi (a decisão final seria do luthier, mas o Cavalheiro concordou comigo) a melhor combinação para colagem. Cada corpo terá duas partes. Convém citar que mesmo na Fender, em qualquer época, corpos de bloco único são raros.
É importante evitar os nós da madeira - onde o som não se propaga tão bem e podem gerar problemas no acabamento. Usei o corpo da minha Tele 68 pra desenhar o local do corte:


As fotos seguintes já são na oficina do luthier Roberto Cavalheiro, de Blumenau ([email protected] / Fone: (47)33785960), cerca de 150 km daqui (Florianópolis). Já havia feito um corpo de cedro e a Les Paul Jr (postada anteriormente) com ele e fiquei impressionado com a qualidade. O Cavalheiro poderia finalizá-las completamente, mas eu queira ficar com a diversão final do acabamento e montagem, hehehe...


Observem na foto acima, que o corpo de alder foi posicionado bem embaixo no blank, pra fugir daquele nó no canto superior direito. O blank de ash tá com aspecto feio porque havia uma camada de resina/cera para proteção.
Então, passo número 2:

2) Manufatura dos Corpos/Braço: A sequência de fotos é do próprio Cavalheiro:

Colagem dos blocos. As superfícies devem estar absolutamente planas para um perfeito acoplamento e os clamps mantém a pressão até secagem completa


Blocos colados. Observe que a linha de separação do ash é praticamente invisível.


Corpos semi prontos. À esquerda, já com as cavidades, feitas na tupia copiadora (vide vídeo da tele de mogno no post anterior). Pedi para o Cavalheiro não arredondar as bordas, pois queria fazê-las pessoalmente. Gosto de bordas suaves, mas sem exagero, e dá pra fazê-las rapidinho com lixa.


Furação do "string through body". Telecaster  com "top load", cordas presas em cima, sem atravessar o corpo, não tem o som clássico.


Braço. Esse é bem mais complicado... Acredito que a habilidade do luthier de guitarras é colocada à prova aí. Braço não é fácil! Desenho e corte inicial.


Cavidade e colocação do tensor.


A escala é colada.



Escala cortada,"raiada" (curvatura/raio), posicionamento e corte para os trastes e colocação das bolinhas de marcação.



Trastes (Dumlop Jumbo) colocação e corte. Depois disso ainda tem o check-up do nivelamento e arredondamento das bordas.


Acabamento do shape do  braço: parte posterior e cavidades das tarraxas. Tudo é medido exaustivamente. Braço é geometria/matemática pura. A pegada/forma do braço (vide post sobre tipos de braço) vai depender do cliente. Pedi um "C" um pouco mais gordo, com mais ombros. Prefiro assim porque é fácil retirar um pouco dos ombros depois e eu mesmo posso fazer (mas gostei dele assim). Quando o braço fica muito fino ou pequeno, não tem remédio...


 Os 3 corpos (o de Mogno tá explicado no post anterior :) ) e o braço, já aqui em casa. Pretendia fazer um acabamento natural no de alder, mas esse tá muito liso e sem figuração - é ideal pra pintura sólida. Como decidi só depois de trazê-lo pra cá, fiquei com preguiça de viajar novamente e levá-lo para o Cavalheiro pintar... Resolvi fazer por aqui mesmo, com o cara de uma oficina de carros que pintou alguns arranhões no meu carro. Mas essa eu vou postar assim que acabar de montá-la... :)


3) - Acabamento:
"Butterscotch Blonde" é a cor mais famosa da Telecaster,  e fui atrás dela com a anilina. Num primeiro momento, ficou assim, bem no tom "butterscotch" (essa tonalidade refere-se a um doce feito de manteiga e caramelo). Porém, ele é conseguido no verniz, que é tingido com corantes e não na anilina. O resultado final da Fender provoca um certo apagamento dos veios de ash. Como esse ash tava muito bonito, resolvi fugir um pouco do laranja e me direcionar para o amarelo, para realçá-lo ainda mais. Após essa foto, cheguei a passar duas demãos de verniz incolor:

Mas, não sei como, tive a paciência de lixar tudo, retirar o verniz, enfraquecer o primeiro tingimento e acrescentar um pouco mais de amarelo. Antes de envernizar novamente, uso as lixas para tirar a uniformidade da cor, lixando mais nas partes naturalmente mais gastas com o tempo (bordas, ângulos e apoio do braço)


         Aqui, o resultado final, mais sutil. 4-5 passadas de verniz spray e depois muita lixa (600 e 1200) pra cortar o brilho. No final fica verniz suficiente apenas pra deixá-la com o toque sedoso/macio e bem selada.
O braço também ficou muito legal com o tingimento/envelhecimento.
Os metais passaram todos por uma lixa de 1200. Saddles de aço, roubados de uma ponte Wilkinson de strato. Captador da ponte feito pelo Sérgio Rosar (fio Enamel 42 AWG) com uma bobina velha que eu tinha guardado. Captador do braço GFS Premium 63 vintage wound (fio Enamel 43 AWG). Tarraxas Planet Waves (não poderia ser outra:) )
Capacitor Mojotone Dijon de .047uF,  potenciômetros de 250k, mas acabei de descobrir que minha Tele 68 tem pots originais de 500k - nunca me preocupei em checar e isso me colocou uma pulga atrás da orelha. Vou testá-la também com pots de 500k.
O restante do hardware foi comprado na Mensageiro Musical e é da Condor Parts. O escudo não foi parafusado porque está ligeiramente fora do padrão Fender. Encomendei um da GFS (Guitar Fetish: http://store.guitarfetish.com/ que vai chegar em breve.
O braço foi tão bem feito e com encaixe soberbo no corpo que pude deixar a ação extremamente baixa, ainda mais que a das Tele 68 e 74. Mais um mérito para o Cavalheiro!

CONCLUSÃO :

          A guitarra ficou linda e excelente. Madeiras e hardware de primeira, construção impecável do Cavalheiro. Ela não perde em nada pra minha 68. Os timbres são ligeiramente diferentes devido ppte às escalas distintas, mas ambos excepcionais. Telecaster na veia!

Vamos checar o custo final da guitarra (algumas peças eu já tinha, mas vou passar o custo como se não as tivesse):
Blank de Ash/Corpo de 2 peças: 200
Blank Maple braço/escala: 125
Manufatura corpo e braço (Cavalheiro): ainda não acertei com ele, mas acredito que entre 500-600 reais
Captadores: Ponte: 175 (Sérgio Rosar Hot T). Braço (GFS Premium 63): 180 reais (originalmente custa 34 dólares - o resto é a porcaria de impostos). O modelo do Érico Malagoli da www.captadores.com.br custa 135 reais à vista e é adequado. Quando ele passar a usar o fio original (enamel 43AWG), não haverá razão pra comprar lá fora.
Tarraxas Planet Waves: 200 reais
Hardware restante: 120 reais
Fato interessante: ela foi em boa parte baseada na minha 68. No final, por coincidência, o peso das duas é o mesmo: 4,1kg... :)
Total: R$ 1.500
Garanto-lhes que nenhuma Fender mexicana (e provavelmente algumas americanas) chegam perto dessa guitarra em termos de qualidade. O valor dela aqui, a julgar pela qualidade e pelas outras que temos à venda, seria no mínimo 2.500 a 3.000 reais.
Meu amigo Oscar Isaka Jr., também membro do fórum da Guitar Player, esteve aqui em casa hoje e pode avaliá-la e tocá-la. Vou pedir pra ele comentar, da forma mais sincera possível, o que ele viu aqui.

Sei que algumas pessoas que acompanham o blog acham uma perda de tempo tunar e montar guitarras. Tudo bem, tunar SX chinesa não é a melhor ideia do mundo, mas nesse caso, mostrei uma opção viável, sem muito risco e com uma relação custo benefício excelente. Mesmo que o cara não saiba ou não queira finalizar a guitarra, o luthier pode fazê-lo, com um acréscimo, é claro.
O mesmo processo pode ser aplicado para uma strato de alder ou ash, com custos semelhantes.

Recentemente o Fagner Cirino postou aqui dizendo que só tem 3.000 reais pra fazer uma strato. "Só 3.000?" Imagine a strato que dá pra fazer com esse dinheiro. É só ligar para as fontes citadas (ou outras que eu não conheça) e esperar sentado em casa. Com 2.000 reais ele faz uma strato absolutamente top de linha.

Novamente: não tenho vínculo comercial com ninguém. Indico as pessoas e fornecedores que eu mesmo utilizo e comprovei a qualidade. O objetivo do blog permanece: trocar informações e dicas com guitarristas. Quanto mais sabemos, menos gastamos! :)




PS: O baixista Flávio Siodoni fez um processo semelhante para construir o seu Precision 51. A história, com os custos especificados, está aqui: Siodoni P-Bass by luthier Cavalheiro



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