Vintage X Moderno (ou: a minha história com a Roland)
Luthier

Vintage X Moderno (ou: a minha história com a Roland)


Paulo May

        Quando eu falei para o Oscar que estava pensando em postar sobre esse assunto, ele já chicoteou: "Cara.. Isso é polêmico e vai gerar uma enxurrada de perguntas e posicionamentos..."
Mas, diante da minha última experiência com a Roland (a primeira foi em 1986), fui obrigado a publicar o post, mesmo correndo o risco :)
         Eu não sou e nunca fui um daqueles guitarristas do tipo "solista técnico/virtuoso". Sempre gostei mais de bases e arranjos, da procura do groove perfeito entre guitarra base, bateria e baixo - e eventualmente piano. Durante a época (1983-1994) que tive banda e estúdio de gravação, onde compunha jingles e trilhas, sempre busquei maneiras de ampliar os limites dos sons de guitarra. Não foi à toa, portanto, que adquiri uma guitarra "midi", uma Roland GR 707 em 1986 (ou 87). A guitarra tinha um visual futurista e uma estranha barra de carbono numa segunda junção braço/corpo para minimizar as vibrações do braço e estabilizar a captação dos sinais pelo captador hexafônico. Ela era preta, mas igual a essa (de um anúncio dos anos 80):


O "tracking" das notas era complicado, tínhamos que tocar de forma bem diferente de uma guitarra normal, evitando bends, ruídos e slides desnecessários. Aquela barra realmente incomodava e pra completar, era um porre pra tocá-la sentado. Ela ficou largada até por volta de 2000, quando resolvi serrar a barra de estabilização e usá-la como guitarra normal (feita pela Ibanez, com corpo de alder). Quando perguntavam que guitarras eu tinha, ficava até engraçado: "duas teles vintage, uma 1968 e outra 1974 e uma Roland GR707!!" KKK!
Em 2004, joguei tudo dessa guitarra fora e só fiquei com a ponte (interessante - nunca vi outra igual) e o braço, que pode ser visto aqui em 2011, já desfigurado, numa telecaster:

Ainda tenho o braço solto por aqui:).
Bem, o fato é que "NÃO FUNCIONOU" pra mim e desde então, vinha mantendo distância de guitarras desse tipo. Nos últimos 10 anos entretanto, com o contínuo aumento da capacidade de processamento das CPUs, as empresas desenvolveram - e evoluíram - o conceito de "modelagem acústica". Vejam bem, isso não tem nada a ver com MIDI, sampler, sintetizadores, etc. "Modelagem Acústica" é a simulação digital da física que gera sons ao nosso redor. Alguém já disse que o universo pode ser traduzido em números e acho que estamos no alvorecer de uma revolução: a "Virtualização da Realidade". Cada nova geração de hardwares e/ou softwares simuladores ou modeladores está vindo melhor, mais real, orgânica e cada vez mais difícil de distinguir do equipamento original. Já postei sobre o Amplitube e a última versão está matadora...
Não se enganem comigo: quem acompanha o blog sabe que eu (e o Oscar também, garanto) sou fanático por timbres vintage, guitarras clássicas, válvulas, etc. Mas não sou um xiita radical: minha mente respeita, antes de tudo, meus ouvidos. Não interessa o que está gerando um som - se gosto dele, eu quero.

Mas vamos voltar à minha história com a Roland... :)
Eu conhecia o sistema "COSM" de virtualização da Roland (desde que foi lançado, há bem mais de uma década), sabia da guitarra "Synth Ready" GC-5 mas nem pensar em sequer testá-la já que o preço aqui no Brasil é absurdo.
Sem eu me dar conta, entretanto, a Roland lançou uma versão mais barata, a GC-1, que, ao invés de ter todo o sistema (captador GK3 + Processador) embutido (o que comprometia a GC-5 enquanto guitarra real, pela grande quantidade de madeira do corpo que era retirada), a GC-1 é uma stratocaster autêntica, apenas com um recesso da parte de cima para o GK3 e uma pequena cavidade extra na traseira - na verdade, uma extensão da cavidade do jack de saída.

Essa opinião que tenho em relação à GC-5 é compartilhada pelo meu amigo (e grande guitarrista/violonista) Zeca Petry, que passou algumas dicas essenciais para o meu update técnico em relação a esse sistema da Roland. 

Há uns 15 dias, entrei numa loja aqui de Floripa e vi essa guitarra Fender/Roland GC-1 à venda por 1.900 reais:




Nem pensei nela como "Synth Ready" - à princípio analisei objetivamente e o que vi foi uma ótima strato, com um excelente braço de maple "one piece" (braço e escala de uma peça), corpo de alder com 3 partes (a camada de PU é por sorte fina e dava pra ver os limites das colagens). Levei sem nem ao menos tocá-la. Mesmo que a utilizasse somente como uma strato normal, já valia. Em casa, fui checar as especificações e descobri que o braço e boa parte das ferragens (tarraxas incluídas) são feitos no EUA. O corpo de alder, captadores e ponte, são mexicanos.

Depois de tocá-la por cinco segundos, já tinha 95% de certeza que os captadores eram cerâmicos - e aí vai minha primeira pergunta pra Roland: Por que colocar captadores tão inapropriados (e ruins para uma strato) numa guitarra tão boa e bem acabada? Não faz sentido.
Por que manter aquele infame bloco de zinco das standards mexicanas? 3 captadores de alnico e um bloco de aço elevariam essa guitarra a um nível superior e os custos não seriam tão diferentes.
Acredito que esses dois detalhes perderam-se na logística entre a Fender e a Roland - faltou um pouco mais de visão, pois essa guitarra poderia facilmente ser anunciada também como um excelente instrumento clássico.

O braço é realmente muito, muito bom. Pode até não ser americano e/ou tive sorte nessa guitarra, mas os trastes estavam perfeitos, 100% alinhados (raro em qualquer guitarra) e super macios nas pontas, com "zero" de rebarba. Como provavelmente será a guitarra que usarei em eventuais performances ao vivo, garanti uma estabilidade extra trocando as tarraxas Fender comuns por Fender com trava, que eu já tinha por aqui.

ADENDO 16/8/14: O leitor Yyz me apontou a página da Roland onde há uma explicação para o qualidade que percebi nessa guitarra: " It’s mostly made from American Standard Strat parts: the alder body, 22-fret neck, frets, and tuning keys are the same ones found on every US Standard. The pickups and bridge are of the vintage type found on old Strats, and now used in Mexican standard Strats, so it’s a hybrid."... Então é isso mesmo: apenas os captadores e a ponte são da (ruim) strato Standard mexicana e o resto é da American Standard. A guitarra é montada no México - daí a confusão. Isso explica porque ela me chamou a atenção na loja - o corpo e braço são obviamente superiores.

Obviamente, tomei o cuidado de gravar uns licks com os cerâmicos e em seguida coloquei um set de captadores de alnico 5 e fio formvar, além de um bloco Manara e saddles de aço, meus preferidos.
A diferença da sonoridade entre os caps cerâmicos e alnico é brutal. Só quem não gosta ou não conhece o timbre de uma strato iria aprovar aquele lixo cerâmico. Ouça:


 Ouça a diferença entre os captadores cerâmicos e os de alnico.



Acima, uma foto com a prova do crime. Caps com duas barras cerâmicas/ferrite na base.



 O corpo foi bem feito - cavidades H-S-S, cobertas com tinta condutiva.

ATENÇÃO: muito cuidado ao movimentar o escudo - a fiação do GK3 limita o posicionamento do escudo para troca dos captadores. É necessário, com muito cuidado, abrir a tampa traseira do circuito, estender os fios que estão presos sob pressão às paredes da cavidade e só depois posicionar o escudo para trabalhar.

Bem, com os novos captadores, bloco Manara e saddles de aço, agora ela passou a soar como uma stratocaster de verdade, e das boas. Resolvi então - e só após isso: garantir que ficaria uma boa strato "per se", ouvir demos dela junto com o (essencial) módulo sintetizador GR-55. Entre as várias demos que encontrei, uma em especial me convenceu a comprar o GR-55: o inglês "James", funcionário da Roland, demonstrando a GC-1 e o GR-55 para uma loja na internet:


O James é muito legal - típico guitarrista "normal" fazendo uma demo "normal" e objetiva. As demos da própria Roland carregam o estigma de "guitarra para nerds" que infelizmente vemos desde os anos 80 - e mesmo o Steve Stevens não ajuda em nada. Essa demo, por exemplo (clique) é muito brega e na minha opinião espanta qualquer guitarrista curioso que vá até o site da Roland checar o GR-55. Mas esqueçam essas bobagens. Depois de sacar o sistema com o James, o resto é complementar:



Aqui a demo da empresa para o GR-55. O estilo "TV Globo" do locutor é inadequado e kitsch, pra variar:


         Então, se vocês acompanharam até agora, do meu ponto de vista, continuo sem muito interesse em utilizar a guitarra pra gerar sons de piano, sopros, sintetizadores, etc. O legal mesmo desse sistema são as modelações e afinações. De brinde, um multi efeitos de alta qualidade e o sintetizador.

Não a utilizaria muito em casa - os timbres que ela modela eu já tenho em outras guitarras e todos de alta qualidade. A mão na roda, a puta mão na roda disso tudo, é a extrema versatilidade para ensaios e shows ao vivo. Não há o que pague sair de uma strato em afinação padrão para uma tele em open G e depois passar para um violão Martin D28 (o GR-55 modela o corpo/ressonância de vários violões Gibson e esse Martin), tudo com apenas dois cliques... :)

Com os vídeos do youtube e o manual, em menos de dois dias já dominei relativamente bem o sistema e criei meus próprios patches. Já posso tocar Gimme All Your Lovin' (Les Paul com humbucker/Marshall/afinação padrão), Honk Tonk Women (Telecaster/Twin/Open G) e Shake Your Money Maker (Les Paul com P90/Twin Reverb/Open E com slide) com apenas uma guitarra e não três!

Dessa vez eu e a Roland nos entendemos :)

PS: Se alguém da Roland está lendo isso, novamente chamo a atenção para os detalhes dos captadores e bloco da ponte e, por favor, vocês vendem a guitarra sem o cabo de 13 pinos GK e o GR-55 também sem o cabo. Putz! No sense. As lojas nem sempre têm esse cabo disponível e temos que adquiri-lo separadamente - um banho de água fria justamente quando não precisamos.





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