Luthier
George Gruhn
Paulo May
Manter o blog ativo não tá fácil... Se eu não tivesse que responder tantas perguntas diariamente, com certeza teríamos posts com maior frequência. Não que eu não goste disso - é legal e mostra que o blog é interessante, mas definitivamente consome tempo e energia.
E quando coincide com os períodos em que o Oscar fica sem tempo, aí...
Até tenho algumas ideias e rascunhos separados, mas desde o primeiro post aqui, sigo a regra pessoal de só postar quando sentir que o assunto é legal, instiga a imaginação ou traz alguma novidade relevante, como é o caso desse post sobre o especialista em instrumentos vintage George Gruhn.
George Gruhn na frente de sua loja em Nashville (2011).
Há dois dias resolvi jogar fora quase toda a minha coleção da revista Guitar Player brasileira (nem me perguntem por que) e no meio delas me deparei com várias GPs americanas que eu tenho guardadas desde os anos 80. Essas não tive coragem de jogar fora e ontem peguei uma aleatoriamente pra ler (GP de março de 1985) com uma Les Paul sunburst na capa, como essa:
PQP! Acho que há mais de 20 anos não a lia e me lembrei de quase tudo da época, principalmente um artigo (Sunburst Gallery) do George Gruhn (ele tinha uma coluna fixa na revista) sobre as Les Pauls Sunburst clássicas, de 58-60. Ao ver as fotos de várias burst maravilhosas, me lembrei nitidamente da sensação que tive na época e compreendi porque não me impressionei. Estávamos em 1985 e o senso estético era absolutamente distinto do atual (hoje não há tanto foco na moda - ou são múltiplos focos, penso eu), com aqueles exageros dos anos 80 refletidos nas guitarras. Todo mundo só falava em Kramer, Ibanez, Jackson, enfim, nas "super guitarras" e, naquele contexto, as bursts clássicas com seus tops figurados pareciam... Sim, exatamente isso, velhas e "bregas"! :)
Eu ainda tinha um segundo motivo pra justificar tal desprezo: na época havia tocado em duas Les Paul "novas" e as tinha achado muito ruins, principalmente pela falta de dinâmica e ataque dos captadores. Eram Les Pauls de 1984 ou 85, mas na minha cabeça era tudo a mesma coisa. Em 1983, pra ser justo, toquei uma Les Paul 1958 original com PAFs e essa me impressionou pelo timbre, fabuloso e cortante como uma tele, porém o braço era estupidamente gordo (1958...) e lento se comparado com os braços modernos da época e até com a minha Tele de 1974. Me lembro nitidamente desse dia e do que pensei: "Puta timbre, mas esse braço gordo é inviável"... :)
Entendido isso, reli todo o texto de George Gruhn e fiquei impressionado com o conhecimento que ele tinha. Deu pra perceber que Gruhn foi referência pra vários livros publicados desde então. Mas o mais interessante de tudo é quando ele mencionou que "o preço de uma sunburst, principalmente com top de curly maple, pode chegar (em 1985) a absurdos 14.000 dólares!" KKK! Mal sabia ele que haveria uma escalada monumental de preços entre 1998 e 2007 e algumas dessas guitarras chegariam perto de meio milhão de dólares!
Hoje o mercado deu uma esfriada, mas as 59 ainda estão na faixa de 200-300 mil. E ele acompanhou tudo desde o tempo que elas custavam 200 dólares :)
George Gruhn começou a colecionar e vender violões e guitarras na década de 60 e nunca mais parou. Adquiriu tanto conhecimento que já é uma lenda viva na história desses instrumentos. Pra quem se vira no inglês, seguem dois links com excelentes entrevistas de Gruhn: CLIQUE-1 e CLIQUE-2
Pra quem sofre com o inglês, coloquei legendas num vídeo onde George Gruhn dá uma "palhinha" sobre as bursts:
Obs: George esqueceu de mencionar que a Gibson mudou o tipo de pigmento vermelho no final de 1959, por isso a maioria das Les Pauls feitas em 1960 ainda mantém boa parte da cor original. As 58 e 59 são quase todas "desbotadas", apresentando tonalidades diversas que hoje em dia têm inclusive "nomes" como "honey burst", "lemon burst", etc. Mas todas (com exceção de raras originais em Tobacco Burst, de 1959) eram pintadas originalmente com um degradê de vermelho cereja para amarelo no centro. Alguém pode estar questionando agora onde está a "novidade" que eu mencionei no início do post, pois tudo aqui é passado... :). Pois bem, a novidade - e pode ser só pra mim, tudo bem - é a perspectiva do conceito "Les Paul" ampliada até os anos 80. Olhando para o passado conseguimos entender melhor o presente.
Observando a sabedoria de Gruhn descobri também que eu era um guitarrista "utilitátio" e mudei para "colecionador" há uns 6 ou 7 anos. O que me fez mudar? Provavelmente no dia em que resolvi entender a física e construção do instrumento que eu tocava. Foi como sair da "Matrix": de repente eu conseguia ver e apreciar coisas que sempre estiveram presentes mas eram invisíveis para mim. Durante mais de 20 anos fui absolutamente utilitário (embora a minha primeira guitarra digna tinha que ser uma Tele Fender e viajei de carro até SP só para comprá-la) - já contei aqui como depredei o valor histórico da minha Telecaster de 1968 sem o mínimo remorso (na época, agora fico aterrorizado :) ).
Hoje acho que sou mais "Colecionador", mas o lado utilitário ainda é forte. Se tivesse que tocar num show ao vivo agora, das quase 40 que tenho, levaria apenas duas guitarras: a PRS SE Custom 22 e a Telecaster de Freijó. Nenhuma das duas tem qualquer pedigree digno de nota, mas são guitarras absolutamente práticas, confiáveis e funcionais - além de soarem muito bem.
George Gruhn diz que há 3 tipos de compradores de guitarra: o "
Utilitário", que quer um instrumento prático e funcional, não se preocupa com detalhes ou marcas e não gosta de gastar muito. Há também o "
Colecionador", que foca nos detalhes, originalidade e valor histórico e pode gastar muito num instrumento, às vezes impetuosamente. Por último, o execrável "
Mercantilista", que adquire apenas com objetivo lucrativo. Os dois primeiros criam um vínculo com seus instrumentos, enquanto o último é basicamente um mercenário :).
George Gruhn (foto dos anos 70).
Ele vende e sempre vendeu instrumentos como meio de vida, mas continua apaixonado e fascinado por eles... Assim como nós :)
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