Ponte de Telecaster: entrando nos detalhes (parte 2)
Luthier

Ponte de Telecaster: entrando nos detalhes (parte 2)


Oscar Isaka Jr.



          Continuando a saga das variações de timbre causadas por pontes e etc, talvez o post de hoje continue explicando porque esse componente representa a maior variação tonal entre todos.
O foco agora é ponte Telecaster, a mãe de todas as guitarras sólidas, criada no início dos anos 50 por Leo Fender. Um dos meus passatempos preferidos tem sido a pesquisa de timbres da Fender. Strato e Tele têm tomado muito das minhas pesquisas sobre como e de onde os timbres clássicos são gerados. A Telecaster é incrivelmente versátil e pode gerar uma infinidade de timbres diferentes com as mais diversas aplicações que vão literalmente do Country ao Metal.

A simplicidade da Tele talvez seja também sua maior complexidade. De onde vem o Twang Clássico? Quais as variáveis? Madeiras do corpo e braço? Captadores? Tarraxas? Ponte? A resposta é.... TODAS AS ANTERIORES, mas hoje vamos nos ater somente à importância da ponte nessa confusão toda.

Senta que lá vem a história.....

          Fazia muito tempo que eu brigava com a minha Tele. Desde que ouvi a Fender Telecaster 1968 do meu amigo Paulo May eu achava que a minha era estranha e não chegava nem perto do som que eu considerava ideal. Cheguei a dizer pro Paulo que ele nunca ia gostar de uma tele de Alder, pois não tinha nem de perto o timbre das Teles que ele estava montando.

Essa em questão é uma Tele Mexicana ano 99 onde foram feitos os chanfros de corpo e apoio de braço de Strato e toda repintada em azul metálico, uma das características das teles nos anos 60. Quando a comprei, era tudo o que eu queria, pois as quinas da tele me incomodam e esse azul era uma das minhas cores preferidas. Ela tinha um par de Seymour Quarter Pounder para Tele que, pensei, troco e pronto!

A realidade não foi bem assim. Experimentei de tudo nessa guitarra e ela só falava legal com humbuckers Dual Blade na ponte. Testei os dois do Sérgio Rosar, True Vintage e Vintage Hot, dois Seymour Duncan sendo um Antiquity 55 e um Vintage for Broadcaster, Fender Texas Specials e nada do twang aparecer.

Depois de muita pesquisa, essa semana achei um artigo do mestre Bill Lawrence (foto abaixo) que falava sobre os materiais das pontes de Tele e diferenciava-os em ferrosos e não ferrosos. Os ferrosos (onde o imã gruda) interferem diretamente no campo magnético do captador de ponte, alterando a indutância, aumentando a capacitância (mais metal) e portanto influindo diretamente no som do mesmo.

Bill Lawrence

Juro que pensei Será? Vai ver é o mesmo efeito "sutil" das pontes de Strato com e sem bloco etc. Muda mas não drasticamente.

Pesquisando um pouco mais me deparei com o seguinte parágrafo do nosso querido Seymour W. Duncan (tradução livre):
Seymour Duncan

"Uma ponte ferrosa provoca a expansão do campo magnético dos single coils, gerando uma sonoridade única, clássica. Numa ponte não magnética, sem ferro, (latão/brass) não há expansão do campo magnético, deixando o captador com um som mais claro/agudo, limpo. Com captadores dual blade, uma ponte ferrosa não vai funcionar bem porque a placa atrai os dois campos magnéticos opostos (característica dos captadores humbuckers/dual blades) e essa combinação interfere com a qualidade e eficiência do captador. Captadores desse tipo funcionam melhor em pontes não magnéticas (aço não magnético ou latão). 
Eu não gosto de ponte de latão/brass porque ela modifica o timbre do single coil. 
Para uma sonoridade tradicional de Telecaster, certifique-se que a ponte seja ferrosa (atraia imãs)".

Ok, dois mestres argumentando... Eu tive que pagar pra ver...

Fiz o teste na minha Gotoh Modern Tele Bridge (foto à esq.) com 6 saddles/carrinhos e o imã não grudou na placa/plate, mas grudava nos saddles. Conclusão, material não ferroso no plate e saddles de aço. No seu artigo, o Bill Lawrence (assim como Seymour Duncan) comenta que esse magnetismo da ponte vintage/ferrosa não é legal pra captadores humbucker tipo dual blade e que um plate não ferroso é mais apropriado pra esse tipo de captador.
Não é a toa que ela falava bem com humbuckers....
Leia o artigo do Bill Lawrence

Fui atrás de uma ponte vintage, saddles de latão. Exatamente o contrário do que eu tinha na minha. Achei uma Wilkinson by Gotoh Vintage. Fiz o teste e positivo, o imã grudou no plate. 
Instalei a ponte vintage, com o mesmo True Vintage Sergio Rosar, afinei e com duas notas eu havia achado o timbre. Os médios que eu tanto queria estavam lá. O DNA da guitarra estava alterado, tanto que gravei o segundo set de samples pra ter certeza que a mudança tinha mesmo sido tudo aquilo. E não só eu percebi como todos que ouviram perceberam as mudanças!

Ponte Vintage

Nesse vídeo dá para perceber as diferenças de sonoridades (clean e crunch) das duas pontes:


A variável da equação que eu não estava considerando era justamente a que faltava pro timbre que eu estava procurando. 

Conclusão: agora minha tele estava soando como eu sempre quis que ela soasse. Ficou um meio termo entre uma Tele Country Twangger e com a rispidez agressiva de uma Tele Rocker!


Resumão de ponte de Tele:

Plate:
Aço Ferroso (Imã gruda): Twang Clássico, ataque com característica mais "Tóin", com agudos mais redondos devido a interação do magneto do captador com a ponte que aumenta sua indutância. Ótimo para obtermos os timbres clássicos do Twang Country. Jerry Donahue é um ótimo exemplo dessa sonoridade. 

Latão: Timbre mais seco e ataque mais preciso e sem interação magnética. Ótimo pra sons com maior dose de ganho e uso de captadores mais fortes como humbuckers por exemplo. Todas as Fender American Std vem com esse plate de latão e Keith Richards utiliza-o até hoje em suas Teles! 

Saddles:
Latão: Ataque mais preciso e sequinho, com tendência de segurar agudos. Junto com o plate de aço, faz a combinação clássica da Tele 52 amarelinha. 

Aço: Introduzido em meados dos anos 60, produz um som com mais conteúdo de agudos e mais força/punch, sendo novamente ótimo para sons com drive pela maior definição sonora. Novamente é a escolha da Fender para a American Standard, numa concepção mais moderna dos sons de tele!

... É realmente incrível e fascinante como de novo um pouco de pesquisa e informação conseguem transformar uma guitarra normal em um ótimo instrumento!!

____________________________________________Oscar Isaka Jr.


PS:
Pois é, convidei o meu amigo Oscar Isaka Jr. para dividirmos os posts e responsabilidades nesse blog :)
Já havia copiado para cá outros posts do blog dele, sempre repletos de informação crítica e analítica de alta qualidade.

Em relação à essas características das pontes ferrosas e não ferrosas de Telecaster, foi ele quem me chamou a atenção. Eu tenho ambos os tipos de pontes em diversas teles e não havia me tocado dessa ENORME diferença. O post é sensacional e acrescenta ainda mais informação para a timbragem de guitarras. 

Paulo May.




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