Concluindo a caça. Em Busca do Cálice Sagrado (Parte 5)
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Concluindo a caça. Em Busca do Cálice Sagrado (Parte 5)


          Oscar Isaka Jr.

          Depois de ter a minha Les Paul com um timbre legal, validei com o Paulo e estabeleci a referência que procurávamos durante esse tempo todo. Testei vários captadores nela para ter a melhor ideia de como soaria nas mais diversas situações, afinal estaria testando guitarras em lojas e não tunadas como nós fazemos sempre. Por melhor que seja, uma Gibson original nunca é a melhor guitarra que ela pode ser, e isso é verdade mesmo nas Custom Shop mais caras. Sempre há algo que pode ser melhorado, seja um  mero capacitor ou a troca dos captadores e em alguns casos a mudança é drástica e a guitarra passa de boa a excelente!! Um exemplo disso é a troca dos potenciômetros de 300k por de 500k nas Standards, especialmente as que vem com os 57 Classsic. Mas isso é assunto pra um outro post :-D !

         A minha R9 é uma Cherry Sunburst 2003, considerado um ano excelente das re-edições. Algumas saíram de fábrica inclusive com escala em Jacarandá Brasileiro (não é o caso da minha infelizmente...) mas vários detalhes foram implementados nesse ano que fizeram com que os instrumentos de 2003 sejam valorizados e reconhecidos por sua excelente sonoridade. No vídeo do post anterior voces podem ouvi-la com os captadores Sheptone Tribute PAFs  que vieram nela, e alem deles testei vários outros pra entender o DNA da guitarra. Esse foi um ponto importante a ser observado: independente do modelo do captador (todos PAFs replicas de alguma maneira) o DNA da guitarra era sempre perceptível/dominante e o captador não alterava isso. 

Gibson Custom Shop R9 2003    

         O ano de 2013 está sendo um outro marco na histórias das Custom Shop e é mencionado pela Gibson com o "Ano da Les Paul". Todos os fóruns gringos especializados estão concordando que esse ano a Gibson Custom Shop está produzindo ótimas guitarras e a razão são várias novas características que foram incluídas nas Historic, entre elas o mesmo tipo de cola dos anos 50 (Hot Hide Glue) e os novos captadores denominados Custom Buckers, até então inéditos e que eu não fazia ideia de como soariam.

Pensei: "pronto como é que eu vou conseguir distinguir uma BOA guitarra com captadores que nunca ouvi na vida?" A solução seria tocar no maior número possível de guitarras e tentar identificar o DNA pelas diferenças, tentando filtrar o som dos captadores.

         No Dallas Guitar Show toquei em varias Historic R9, R8, R7, etc. e comecei a ver alguns padrões. Dentre as quase 20 guitarras (18 pra ser exato), notei que as R7 e R8 soavam mais parecidas entre si. Acho que o fato do top não ser Flame deixava o som mais "crunchy" nos médios e a guitarra toda ficava mais rápida no ataque com graves mais sequinhos. Isso falando nas BOAS R7 e R8, pois algumas simplesmente eram sem graça, com pouca personalidade de timbre (pro meu gosto). Nessa hora que uma boa referência é importantíssimo na escolha, pois saber o que você quer é primordial para uma boa compra, especialmente por que o "Holy Grail" pra mim pode ser o meia boca pro próximo guitarrista.

         As R9 de alguma maneira soavam mais complexas, um timbre grande, porém definido e amplo com menos ênfase nos médios e mais abrangência geral de frequências. Não havia tanta ênfase em frequência nenhuma como por exemplo vemos naquela 57 do vídeo do Throbak do post anterior, que claramente tem ênfase nos médios, mais saxofônicos e roucos. A sensação é que o timbre transitava produzindo os famosos "double-tone harmonics" e deu pra perceber que tinha algo diferente nas R9s e claramente havia uma razão para elas custarem quase o dobro do preço das R8, R7.  Entendam: entre as R9s 2013 não testei nenhuma guitarra RUIM, mas algumas me impressionavam mais. Nesses testes deu pra sacar bem a onda dos Custom Buckers novos. As variações de timbre nas R9 era menor que nas outras mas ainda assim encontrei algumas menos complexas, porém comecei a ficar cabreiro quando percebi que elas não "estalavam" tanto.  Nenhuma das 2013 com os novos captadores tinha esse ataque tão evidente como ouvimos nos vídeos, então logo imaginei que seria uma característica dos pickups. Fazia sentido, o Alnico III tem menos força, logo acentua menos o ataque. Som grande e transparente sem ênfase no ataque - deixava tudo meio macio demais, mas tudo bem - já tínhamos um par de Jim Rolph Pretenders 58 esperando. Com eles fizemos Gibsons relativamente graves e mais abafadas produzirem o famoso estalado ! :-)

         O Guitar Show é ótimo pra ver equipamento e comprar acessórios, mas como já haviam me alertado, não há muitas oportunidades de bons negócios por lá. Preços altos e sem muita negociação, então resolvi que iria achar a R9 do Paulo em Austin e redondezas. Encontrei algumas custom shop numa das Guitar Center por lá - duas "Burst" sendo uma 59 Murphy Aged com Bigsby  e uma Collectors Choice #3. Pedi para o vendedor pegá-las (ficam numa vitrine separada na Guitar Center) e fui testá-las. Consegui gravar uns videozinhos dos testes. A 59 está um pouco desafinada mas dá pra ter uma ideia do timbre. O amp usado foi um Fender Hot Rod Deluxe, se não me falha a memória.



A Collector's Choice é uma série de guitarras limitada da Custom Shop que procura recriar guitarras históricas seja pela sua beleza ou por terem pertencido a grandes guitarristas e/ou colecionadores. Por exemplo, a CC #1 foi a famosa Les Paul 59 Peter Green/Gary Moore. Essa que testei é a #3 e é modelada a partir de uma burst 1960 que hoje pertence a Joe Bonamassa.




Notem que em ambos os videos o som não é definido e estalado como os do post anterior. O som soa mais gordo e aveludado de alguma maneira que não deixa os médios ficarem mais agressivos. Os Custom Buckers amaciam a coisa toda. Há quem goste de som de Les Paul assim, mais macio porém ainda complexo e vocal.

O Paulo já tinha me dito que não queria Bigsby então toquei com ela mais por desencargo mesmo, e acabou que ela soou melhor que a outra. Quase caí pra trás quando perguntei o preço delas (pelo menos 40% mais que uma R9 "normal" ) e descartei ambas. Não estava disposto a pagar US$2.000,00 a mais só pelo Relic feito pelo senhor Murphy e a Collector's Choice apesar de soar bem, tinha Bigsby e era uma 1960, coisa que o Paulo não queria pelo braço mais fino etc, além do preço elevado.

Fui visitar então a segunda Guitar Center de Austin na esperança de achar mais alguns exemplares e só encontrei uma R8 , mas em compensação achei duas relíquias que valeram a visita...

A primeira uma Telecaster 1953 com um flame lindo no braço! Fiz questão de registrar. Notem a diferença sonora causada pela capa da ponte. Não é a toa que os guitarristas usavam-na somente como cinzeiro (AshTray). :-)

Fender Telecaster 1953

         A segunda foi talvez a vintage que mais me decepcionou dentre as que tive a oportunidade de tocar. Uma Les Paul Gold Top também de 1953. Fui com a expectativa de ouvir o rosnado feroz dos P90 que havia ouvido naquela SG da outra loja (está no post #2 da saga), mas o que ouvi foi um som meio flat/linear. Sei lá, talvez eu estivesse esperando a agressividade (característica da SG) e quando encontrei a delicadeza da Les Paul meio que desanimei com essa guitarra. De qualquer forma, vale a pena o registro também - não é todo dia que podemos ouvir uma guitarra histórica dessas...

Les Paul Goldtop 1953

         Sai dessa loja pensando que teria que ir a Houston para encontrar essa guitarra, pois sabia que lá a Fuller's Vintage Guitars tinha um bom estoque de historics. Também lembrei de uma loja que havia visto numa das minhas andanças pela cidade.
A Guitar Resurrection era uma loja pequenina e olhando de fora ninguém daria nada, mas quando entrei fiquei abismado. Somente equipamentos top de todas as marcas, dentre Fenders Custom Shop, Master Builders (de U$4.000,00 a Strato.. rsrs), a Gretsch, G&L... A maior coleção de PRS que já vi em uma única loja (pelo menos umas 20) e claro,m umas 10 historics penduradas atrás de um dos balcões.
Conversando com o Jim, um dos simpáticos proprietários, ele me disse que escolhia pessoalmente os instrumentos para a loja. A Gibson lhe enviava fotos das guitarras do estoque e ele escolhia as mais bonitas (somente Custom Shop, nenhuma Gibson USA na loja ), e se por um acaso alguma delas chegasse e não tivesse uma boa sonoridade ele as devolvia para a Gibson. BULLSEYE! Achei uma loja bacana!

O Jim tinha 5 R9 na loja no dia que fui e comecei a testá-las. Havia duas 2013, uma 2010, uma murphy aged 2011 e uma 2012. Nesse meio tempo de papo ele também confirmou como as 2013 estavam boas e que não tinha devolvido nenhuma das 2013 que recebeu na loja. Realmente, durante os testes as 2013 se mostraram superiores em sonoridade em relação às outras, então minha escolha ficou entre as duas.

Uma delas era uma Cherry Sunburst linda, tinha um som cantante, bom sustain com graves um pouco mais retraídos. A segunda era uma Honey Burst (que depois descobri chamar-se Sunset Burst) linda, com o top figurado num padrão uniforme bem 3D e lembrava MUITO a Pearly Gates, tanto na cor como no padrão do Maple Top. Quando pluguei essa guitarra quase levei um susto, tamanho o volume e grandeza do som. As notam vinham em um bloco sonoro em que cada corda parecia ressoar sozinha separadamente, e era possível ouvir muito bem cada uma das notas do acorde de C maior que eu tocava para perceber as nuances do instrumento. Fiquei mais uns 10 minutos tocando e resolvi que seria ela que iria para os  braços do Dr Paulo... Essa é a unica foto que tirei dessa R9 2013 ainda na loja:

Gibson Custom Shop R9 2013

         Fechei o negócio com o Jim, tirei a R9 da loja e no dia seguinte embalei e enviei a guitarra para um amigo do Paulo que vai trazê-la para o Brasil. Espero sinceramente ter acertado na escolha. A responsabilidade é grande! :-)




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Paulo May:

Isso já faz um bom tempo e a guitarra ainda está em Miami. É provável que chegue no final desse mês. 

Independente de eu gostar dela ou não, agradeço aqui publicamente ao Jr. por todo o esforço e peço desculpas pelo stress da missão... Eu não sei se teria coragem de encarar uma responsabilidade dessas. :)
Depois que chegar - e a recomendação do Oscar é que eu já troque os captadores Custom Buckers pelos Rolph 58 no ato - eu digo pra vocês o que achei... :)

Mas não me preocupo em ouvi-la antes com os caps Gibson...Quanto mais nos envolvemos com guitarras e timbres, temos percebido que a essência da sonoridade de uma guitarra - o seu "DNA" - permanece relativamente constante independente do captador. 
Percebo isso frequentemente nas minhas Teles e já desisti de tentar "salvar" guitarras ruins com upgrades. No máximo melhora um pouco, com sorte. 



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UPDATE 09/12/2015:
         Rapaz... Passei por esse post hoje e percebi que acabei não fazendo um post específico sobre a minha R9. Resumindo, é tudo o que o Oscar tinha falado e mais um pouco. Coloquei os captadores Rolph Pretender 58 cerca de meia hora depois que chegou aqui em casa e não saíram mais... :)
A tocabilidade, acabamento, fidelidade "vintage" e principalmente o som, são soberbos. 
Mais uma vez agradeço ao Oscar pelo empenho na escolha. Isso sem contar que é linda de morrer, um burst faded que salta aos olhos.

Há pouco tempo o Alex esteve aqui em casa e nos minutos finais de uma série de demos de stratos, ele tocou um pouco com a R9, que registrei em vídeo. Divirtam-se :)








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